Pregar o Evangelho é o coração da vida missionária de todo cristão. Pelo batismo, somos enviados para anunciar a Boa-Nova do Reino de Deus. Entretanto, o modo como testemunhamos o Evangelho pode variar conforme o contexto, levando em consideração o lugar, a língua, a cultura, as condições sociais e as limitações humanas¹.
Recentemente, pude viver isso de forma muito concreta na comunidade de Nova Fundação, entre o povo Hupda, na paróquia de São João Bosco, em Pari-Cachoeira. Os Hupda são considerados um povo de recente contato, já que as primeiras aproximações ocorrerão somente no final da década de 1970².

Essa comunidade, como tantas outras na região do Alto Rio Negro, vive um duplo isolamento: geográfico e cultural. Por esse motivo, os Hupda preservam com muita força a sua própria língua, seus costumes e sua visão de mundo, uma verdadeira riqueza cultural que deve ser respeitada e valorizada.
Porém, a maioria dos adultos compreende pouco o português, o que torna necessária a presença de tradutores para facilitar uma comunicação mais direta, inclusive durante a Missa presidida por Dom Vanthuy, que precisou adaptar a homilia com frases curtas, palavras simples e ideias acessíveis. Ao meu ver, esse esforço se tornou, por si só, um sinal de cuidado pastoral. Mais do que fazer um grande discurso, era necessário tornar-se compreensível.
Mas, entre todos os desafios, o que mais me marcou foram as crianças. Muitas crianças! Ao chegar na comunidade, Irmã Auriana, responsável pela Pastoral da Criança, logo nos convidou para brincar com elas. Mas como fazer isso, se as crianças não entendiam o que dizíamos? Tentávamos explicar as brincadeiras, mas elas nos olhavam desconfiadas e confusas.
Como se não bastasse a língua, percebi que as crianças me estranhavam. Tentava me aproximar, mas elas corriam de mim. Talvez por ser um rosto totalmente novo, pela cor da pele, pela barba por fazer ou pelos óculos. Comecei pelos mais simples: estendi a mão e pedi que tocassem. Alguns, mais corajosos e menos envergonhados, tomaram a iniciativa. Os outros, com curiosidade, seguiram o gesto.
Depois de conquistar a confiança delas e receber um abraço coletivo, coloquei uma criança nas costas, outras duas subiram junto, e corri com elas pela área da comunidade. Brincamos de pular corda, cabo-de-guerra, amarelinha, morto-vivo, trenzinho… cantamos músicas como “O Senhor tem muitos filhos”, “Passa fogo” e “Dança da Amizade”. Todos entramos na brincadeira, inclusive o bispo. Logo percebi, que não eram as palavras que conduziam a brincadeira ou que aproximavam as crianças, mas os gestos, as expressões, a imitação e as boas risadas.


Essa breve experiência me fez refletir muito sobre o anúncio do Evangelho a partir do testemunho. Antes das palavras, o Evangelho precisa ser vivido. São Francisco de Assis exorta: “pregue a todo tempo; se necessário, use palavras” e ainda adverte: “tome cuidado com a sua vida, talvez ela seja o único evangelho que as pessoas leiam”.
As pequenas e pobres crianças Hupda me ensinaram que a linguagem da amizade, da ternura e da alegria é universal. O Papa Francisco já nos alertava sobre isso, convidando-nos para uma nova etapa evangelizadora, marcada pela alegria do Evangelho: “um evangelizador não deveria ter constantemente uma cara de funeral”³.
Ao escrever esse relato, recordo as palavras do Papa na Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa, quando, durante a vigília, pediu que repetíssemos suas palavras: “a alegria é missionária”⁴.
Evangelizar também é sorrir e brincar.


Carlos Daniel de Souza Martins – Seminarista em Síntese Vocacional na Diocese de São Gabriel da Cachoeira – AM
REFERÊNCIAS: