Todos os anos, aguardamos com expectativa as celebrações da Semana Santa. Nesse tempo sagrado, mergulhamos no coração da fé e da religiosidade cristã, acompanhando os passos de Nosso Senhor em sua paixão, morte e ressurreição.

De modo particular, a Semana Santa sempre despertou lembranças da minha infância, marcadas pelo respeito, silêncio e piedade. Como coroinha, recordo dos ensaios para as celebrações, recordo a via-sacra encenada ou ilustrada com quadros vivos, as caminhadas penitenciais ao amanhecer, as procissões solenes e luminosas, as pregações, sermões e teatros. Nessa época, as ruas ficam repletas de palmito à venda, um dos ingredientes principais para a torta tipicamente capixaba. Confesso que o sabor da torta capixaba e do canjicão preparados pela minha mãe é inesquecível.

Desde que entrei no seminário, tornou-se costume participar das solenidades da Semana Santa em alguma paróquia da diocese. Já estive em Governador Lindemberg, São Roque do Canaã, Linhares e João Neiva.

Este ano, como missionário na Diocese de São Gabriel da Cachoeira, fui acolhido pela comunidade São Sebastião, localizada há 15 minutos da cidade, subindo o Rio Negro, numa vila ribeirinha povoada por oito famílias indígenas.

Juntos celebramos o Tríduo Pascal, desde o memorial da Ceia do Senhor e do Lava-Pés até o feliz dia da Ressurreição. As celebrações foram simples e abreviadas, conforme a realidade da comunidade, mas nem por isso deixaram de ser vividas com intensidade, reverência e devoção.

Acompanhado do vocacionado Queilo, fomos recebidos pelo catequista Edivaldo. Logo começamos a preparar o espaço da capela para o memorial da Ceia do Senhor e do Lava-Pés. Nesta celebração nos apresentamos a comunidade. Como não estávamos em grande número, embora todas as famílias estivessem presentes, não lavei os pés apenas de doze, mas de todos os membros da comunidade, inclusive das crianças. No Lava-Pés, experimentamos o gesto de serviço e humildade de Cristo. Ele nos ensina que só sabe amar de verdade quem sabe servir.

Na manhã da Sexta-Feira Santa, rezamos a Via-Sacra nas comunidades de São José e São Luís, acompanhando o caminho do Calvário. Às 15h celebramos a Paixão do Senhor e erguemos um cruzeiro preparado pelos homens da comunidade bem em frente ao rio. Esse aponta para o Jubileu da Esperança que vivemos neste ano: A cruz, que antes era sinal de sofrimento, foi erguida como estandarte da esperança.

Ao cair da tarde, por volta das 18h, durante o pôr-do-sol rezamos o Santo Terço à sombra da Cruz recém-erguida. O sol estava se ponto, num belíssimo espetáculo de cores amareladas, como se até a criação se curvasse diante do mistério da Cruz.

No Sábado Santo, rezamos o Ofício Divino das Comunidades. Antecipando as alegrias pascais e anunciando a esperança do Ressuscitado visitamos a casa de cada família. Isso foi interessante, por que cada família esperava em sua casa, mas ao serem visitadas seguiam o grupo nas demais visitas. Ao final, toda comunidade estava novamente reunida. Durante a Vigília Pascal acendemos o Círio e anunciamos a ressurreição de Jesus, assim como no Domingo de Páscoa.

A alegria da vida nova também se manifestou nos momentos simples de convivência, como quando jogamos vôlei e assistimos filme com as crianças. Cristo ressuscitado estava ali, não só nos momentos de oração, mas também nas ações cotidianas, na partilha e no sorriso das crianças.

Na companhia desses irmãos, que me acolheram com tanto cuidado, senti-me parte de uma pequena comunidade como aquela narrada nos Atos dos Apóstolos. Tudo era partilhado com simplicidade e fé. As refeições — do café da manhã ao jantar — eram feitas em comum, num clima de fraternidade. Cada alimento colocado à mesa parecia abençoado pela convivência e pelo carinho com que era servido.

Durante esses dias, a vila estava inteiramente voltada para as celebrações do Mistério Pascal. Não havia pressa, nem distrações. Ninguém olhava o relógio, ninguém se perdia em outras ocupações. Era como se o tempo desacelerasse, ou até mesmo parasse, para que todos pudessem se concentrar apenas no essencial: caminhar com Jesus, sofrer com Ele, esperar com fé a luz da ressurreição.

Ali, à margem do rio, naquela comunidade pequena e distante dos centros urbanos, a Igreja se mostrava viva, presente e real, exatamente como no tempo dos primeiros discípulos, que se reuniam para rezar, partir o pão e manter acesa a chama viva da esperança.

Nesta Páscoa, contemplei uma bonita verdade, um fato: A ressurreição de Jesus é a certeza de que Deus não abandona seu povo. Cristo ressuscitado caminha conosco pelas margens do rio, entra em nossa comunidade, senta com a gente, conhece nossa língua, nossa história e nossa cultura. Ele está vivo no meio do seu povo, especialmente onde a fé é partilhada com simplicidade, onde o amor se traduz em gestos concretos, onde a esperança se mantém acesa mesmo nas distâncias do mundo.

Carlos Daniel de Souza Martins – Seminarista em Síntese Vocacional na Diocese de São Gabriel da Cachoeira (AM)

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